domingo, 14 de janeiro de 2007

Garantia de Rentabilidade: ou outra modalidade de Rentismo?

Garantia de Rentabilidade: ou outra modalidade de Rentismo?
José Menezes Gomes (Professor da UFMA e Diretor da APG/USP)


A inflação acumulada, de acordo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, nos últimos 6 anos de Plano Real foi de 96,37%. Com isso os servidores públicos nos vários níveis, por estarem com seis anos sem reajuste, tiveram redução de quase totalidade do poder de compra. Assim, o governo manteve o principio da desindexação estabelecido pela Medida Provisória do Real, para este segmento.
Enquanto isso, o reajuste de tarifas de antigas empresas estatais chega a percentuais muito elevados: a telefonia fixa aumentou 343,31% e a energia elétrica foi a 151,77% neste período. Em grande parte esta diferença entre a inflação oficial e o índice de reajuste desses serviços se deve ao fato que, durante o processo de privatização ficou assegurado na legislação, que os reajustes se dariam pelo IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado). Além disso, a maior parte destes reajustes ocorreram momentos antes da privatização. No caso do sistema Telebrás, privatizada em julho de 1998, o reajuste foi em de 87,64%, somente em 1997, ou seja, o governo não apenas realizou grandes investimentos como elevou brutalmente as tarifas.
Este foi apenas um dos dispositivos. Mais recentemente foi reeditada pela 62ª vez medida provisória que trata da redução do setor público no sistema financeiro, incluindo um artigo que autoriza instituições financeiras privatizadas a receberem depósitos do governo, mesmo que a constituição proíba tal finalidade, ou seja, estão implantando uma reserva de mercado para estas instituições passando por cima da constituição, para assegurarem uma rentabilidade maior.
Enquanto passava o discurso de que era necessário desregulamentar, desindexar, etc, isto só servia como justificativa para a mudança de mãos. Na verdade, o que querem os capitalistas é regulamentação favorável e indexação, não apenas que reponha a inflação, mas que esteja bem acima dela: querem máxima proteção.
No entanto, pratica neste sentido não é nova no desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Topik(1987:112/113) analisando outro momento, concluiu que o Brasil entrou na era das ferrovias nos anos 1850, com forte presença do Estado. Políticos imperiais preferiram mobilizar capitais privados garantindo retornos de 7% ao ano sobre o capital investido1 (...) Em 1893, os lucros de todas as empresas estrangeiras com garantia de lucros, excetuando-se apenas a próspera São Paulo Railroad, obtiveram a média de rentabilidade de apenas 0,3% antes do subsídio. A maioria das empresas não poderiam ser construídas se dependessem da própria rentabilidade, pois esta vinha exclusivamente das garantias de pagamento de taxas fixas.
Em 1898, o peso destas garantias chegou a comprometer um 1/3 do orçamento da União, motivando em 1901, no governo Campo Sales a contra gosto a “expropriação” de doze companhias. Antes da primeira guerra mundial as aquisições de ferrovias estrangeiras em dificuldades cresceram. Já em 1898, o governo detinha 34% das ferrovias diretamente e indiretamente bancava a rentabilidade. Isto é importante porque revela que esta estatização estava ligada a salvação do patrimônio privado.
Segundo Topik (1987) não havia países onde estas substanciais garantias não foram oferecidas ao ingleses. Nos Estados Unidos, no suposto berço da livre iniciativa, o procedimento era mais sofisticado: o Estado comprava as ações das empresas ferroviárias mesmo sabendo da baixa rentabilidade.
Através do exemplo dado por Topik é possível imaginar a importância desta política efetivada pelos Estados periféricos para a segunda fase da revolução industrial (1840-72) e da grande expansão do setor ferroviário Inglês. Por trás da exportação de capital para os países coloniais, estava não a aventura de capitalista “empreendedores”, mas certeza do risco zero.
Uma das características do capital, que serve para alguns a sua “justificativa social” era exatamente o risco que assume ao imobilizar capital ou de conseguir ou não a rentabilidade desejada e assim gerar empregos. No entanto, seja no século XIX ou no final do século XX, o que temos é um tipo de capital que se imobiliza mas totalmente averso a risco e dependente da intervenção do Estado. Apesar de se tratar em tese de capital produtivo, sua remuneração, com garantia de rentabilidade não é tão diferente daquele capital dinheiro aplicado nos títulos da dívida pública.
Além dos preços sub-avaliados, empréstimos subsidiado do BNDES para a compra, vantagens tributárias de ressarcimento do ágio sobre o preço mínimo, condição de mercado monopolista, uso de moedas podres, redução do quadro de pessoal, temos também estes privilégios supostamente legais, que potencializam ainda mais os ganhos daqueles, que através do tráfico de influência tornaram-se “donos” desta máquina de dinheiro fácil.
A chamada desindexação, que foi colocada como uma das causas da inflação no início do plano real, com o passar do tempo revelou-se que era apenas para os trabalhadores (salários) porque para o capital ela assumiu novas formas e dimensões, não só no estabelecimentos das tarifas, como na própria rolagem da dívida, com títulos pós fixados.
Estes fatos sempre foram encobertos pelos principais historiadores e economistas burgueses, para mostrarem o contrário: que os capitais privados (estrangeiro ou nacional) eram fundamentais para impulsionar o desenvolvimento. Estes enaltecem a importância do capital privado e encobrem o seu rentismo e o ônus desta intervenção estatal. Mas contrário de buscar de buscarmos a sua regulação, como querem eles, devemos lutar pela sua superação. Este tipo de ação visa de maneira disfarçada não só garantir um outro tipo de rentismo, como minimizar a queda da taxa de lucro.