Título: Crise das bolsas poderá resultar em mais precarização e arrocho salarial
Data: 12/9/2007
Fonte: ANDES-SN - Informandes Online 25
Crise das bolsas poderá resultar em mais precarização e arrocho salarial
Elizângela Araújo
ANDES-SN
A “bolha imobiliária” que ameaça a economia dos Estados Unidos não é um fenômeno novo, e sim algo recorrente na história do capitalismo. A afirmação é de José Menezes Gomes, professor de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e 3º Tesoureiro do ANDES-SN. Para ele, as conseqüências desse preâmbulo de crise, como chama, são claras para a classe trabalhadora brasileira: mais precarização dos serviços públicos e mais arrocho salarial, pois o governo, novamente, deixará de investir no social para salvar os grandes investidores.
- Qual a origem da crise econômica que os Estados Unidos vivem no momento e que ameaça outros países?
- Bom, o que está acontecendo hoje é algo que já aconteceu em vários momentos. Em 1929 tivemos uma crise que levou à Grande Depressão dos anos 30. Em 1987 tivemos outra grande crise, na qual se perdeu quase US$ 2 trilhões. E de 2000 a 2002, outra crise, não qual se perdeu quase US$ 15 bilhões. Essa penúltima crise foi chamada de “bolha da Internet”, a crise da "nova economia". Ou seja, esse preâmbulo de crise é algo recorrente na história do capitalismo contemporâneo. Por outro lado, o dólar atingiu o seu menor nível em 15 anos em relação às demais principais moedas, enquanto os Estados Unidos enfrentam um crescente déficit público e um déficit externo.
- Até onde se pode afirmar que a crise nas bolsas norte-americanas é causa da inadimplência no setor imobiliário?
- Atribuir a responsabilidade da crise das bolsas dos Estados Unidos apenas à bolha especulativa imobiliária é uma falácia. A crise das bolsas apenas reflete a crise superprodução na economia mundial e a expansão do volume de capital fictício, ou seja, reflete algo que está ruim na realidade da economia. O que temos hoje? As bolsas brasileiras renderam 302% nos últimos cinco anos. Nenhuma atividade produtiva, nenhuma empresa brasileira, consegue efetivamente gerar um lucro efetivo de 302%. A taxa média de lucro que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cobra de uma empresa, quando empresta dinheiro, é que ela consiga 12% por ano - essa é a média histórica.
- Como isso acontece?
- Quem, inicialmente, contribuiu para a explicação desse fenômeno foi Karl Marx, quando construiu o conceito de capital fictício, que é justamente essa modalidade de valorização em que se dissocia o capital real. Atualmente, há US$ 144 trilhões aplicados em ativos financeiros em todo o mundo, isso representa três vezes mais que a riqueza efetivamente existente, ou seja, o PIB (Produto Interno Bruto) mundial. Esse fenômeno foi um dos pontos da análise de conjuntura do 26º Congresso do ANDES-SN (Campina Grande-PB, 27 de fevereiro a 4 de março de 2007), e esse dado apresentado pelo próprio setor financeiro sinaliza o grau fictício de valorização que parte da riqueza capitalista acaba assumindo, ou seja, está dissociada da riqueza realmente existente. Quando você compra títulos, especula que no final do ano eles oferecerão uma determinada porcentagem de rentabilidade. Quando você compra uma ação, especula que no final do ano a estimativa de lucro seja cumprida. O que acontece? Quando ocorre a crise - a crise é justamente o momento em que se procura corrigir a diferença entre a riqueza nova efetivamente extraída e a riqueza fictícia, que é a expectativa que parte dos investidores criam e que acabam alimentando como se fosse uma corrente.
- Como essa bolha especulativa se reconstruiu?
- Para entender isso, é necessário entender a crise que ocorreu entre 2000 e 2002. Eu diria que o que os bancos centrais estão fazendo neste momento é tentando resolver o problema das bolsas acentuando ainda mais suas causas. É como se tentassem apagar um incêndio com gasolina. Há vários problemas que acentuam ainda mais as contradições do capitalismo. O principal deles é que a crise ocorrida entre 2000 a 2002 provocou uma recessão. Para combatê-la, os Estados Unidos baixaram sistematicamente a taxa de juros, isso facilitou o crédito, no mundo inteiro. Você podia pegar um dinheiro emprestado nos Estados Unidos com juros de 3% e emprestar, em outro país, a um juro de 8%, por exemplo. Isso criou um efeito que tendia a minimizar a crise de imediato, mas, na verdade, aumenta mais ainda o volume de pessoas que devem, gerando uma crise de crédito. Muita gente passou a tomar dinheiro emprestado e aplicar nas bolsas. Muita gente passou a comprar casas financiadas nos Estados Unidos. Muitos pegaram suas hipotecas para garantir o pagamento de novos empréstimos. Isso, nos Estados Unidos, formou uma bolha que chega a dez trilhões de dólares. Ou seja, a bolha especulativa nos Estados Unidos é praticamente do tamanho do seu PIB. Uma das causas desse grande problema foi a taxa básica de juros dos EUA ter chegado a 1% em 2003, mais baixa do que nos anos 30, durante a Grande Depressão. Isso criou uma facilidade de crédito que permitiu a mais gente consumir mais, sem que tenha aumentado o nível de renda. Ou seja, criou-se um mercado consumidor simplesmente baseado na capacidade de comprometer a renda futura dos consumidores. O crédito pode amenizar uma crise, mas em seguida suas contradições ficam ainda mais amplificas.
- E, claro, esse mercado acaba não se sustentando.
- O que estamos vendo é exatamente que tudo aquilo que foi utilizado para conter a crise das bolsas entre 2000 e 2002, na verdade, está alimentando uma nova etapa de crise. E o problema principal é que nesse processo vai surgir - e já está começando a se manifestar - uma crise bancária. Toda vez que há uma crise bancária, os bancos centrais entram pra salvar os bancos, os fundos de investimentos, os agentes privados que durante a especulação ganharam fortunas. Mesmo sendo absurdo, pode acontecer novamente no Brasil. É um sistema que supostamente se baseia na livre iniciativa, ou na liberdade de investimento, mas que na hora em que as contradições se aprofundam, o Estado intervém para evitar que haja uma crise bancária. Nos anos 80, aconteceu algo semelhante e uma grande parte dos bancos teve suas dívidas praticamente estatizadas, ou securitizadas nos EUA.
- Quais as possíveis conseqüências dessa crise para o Brasil?
- Se essa crise se expandir, pode haver uma brusca elevação da taxa de juros e haverá uma fuga massiva de aplicadores em todas as partes do mundo. Grande parte da especulação nas bolsas da América Latina se deve ao fato de que os títulos públicos nos Estados Unidos rendiam pouco. Então, como os rendimentos lá estavam baixos, os especuladores correram para a América Latina. Ou seja, a bolsa brasileira teve valorização de 302% em cinco anos, no entanto, a economia brasileira não cresceu. Esse indicador é muito interessante, pois é um tipo de valorização que não gera mais emprego, ou empregos na proporção necessária, não gera mais salários e nem impostos, porque esse capital fictício tem isenção tributária.
- E para onde vai esse dinheiro?
- Especialmente para todos os que compram as ações: fundos de pensão, bancos, todos os grandes capitalistas. Ou seja, as bolsas acabam servindo para que grandes agentes se apropriem da mais-valia gerada em cada empresa. O problema disso é que esse processo não estimula a economia brasileira ou da América Latina. O mais grave é que essa valorização artificial das bolsas está levando empresas do setor da educação a abrir seu capital, ou seja, venderem suas ações nas bolsas, como outra forma de valorização do setor educacional. Evidentemente, isso vai exigir ainda mais arrocho salarial e precarização do trabalho. E o mais terrível é que esse excesso de dinheiro provocado no mundo inteiro, especialmente em função da baixa taxa de juros nos Estados Unidos, provocou uma valorização artificial das bolsas em todo o globo.
- Você falou que o Banco Central do Brasil certamente vai socorrer, novamente, os bancos. Quais as conseqüências disso para os servidores públicos e a classe trabalhadora em geral?
- Bom, vamos pegar casos de países desenvolvidos - Estados Unidos, União Européia e Japão. Quando essa crise se manifestou, recentemente, e os bancos privados não estavam conseguindo honrar seus compromissos, os bancos centrais desses países liberaram US$ 350 bilhões para que eles conseguissem manter suas movimentações. Isso significa dinheiro público socorrendo capital privado, usado arriscadamente, pois será um dinheiro a mais que poderá não ser pago. No brasil, o dinheiro que será gasto pelo governo com a elevação da dívida pública, em função desta crise seria um dinheiro que poderia ser investido na saúde e na educação pública, por exemplo. Assim, o mesmo Estado que diz que não tem dinheiro para financiar a área social e tenta privatizar a educação, agora poderá socorrer os grandes especuladores que obtiveram 302% de lucros nos últimos cinco anos. Para se ter uma idéia, a Bovespa (Bolsa de valores de São Paulo) perdeu, no mês passado, antes dessa nova elevação, US$ 273 . Isso significa que houve uma queima de parte do capital fictício, mas à medida que os bancos centrais deram mais dinheiro para os bancos, ou seja, mais gasolina para o incêndio, voltou novamente a acelerar o processo de especulação. A crise das bolsas pode afetar a população de duas formas: primeira, se ela se prolongará, vai haver uma fuga de capitais e o governo vai elevar a taxa básica de juros, e fazendo isso vai elevar o endividamento público e o endividamento das famílias; segunda, é que o governo diminuirá ainda mais os gastos sociais, pois aplicará o dinheiro que deveria ser investido nesse setor para dar a quem não precisa, ou seja, aos especuladores.
- Isso quer dizer que o governo vai assumir a dívida?
- Isso aconteceu nos anos 80, quando os Estados Unidos elevaram a taxa básica de juros para 21% e os empréstimos externos eram contraídos com taxa de juros flutuante, quando a taxa do Banco Central dos Estados Unidos - a Prime Rate - se elevou, a Libor, de Londes, também se elevou. Com a subida da Libor, a dívida externa brasileira decolou. Os agentes privados nacionais não tinham como bancar seus compromissos externos, então, o governo assumiu essa dívida. Parte da dívida pública brasileira é conseqüência disso. Essa é uma operação recorrente: o Estado se ausenta de sua função social para atender justamente àqueles que mais se beneficiam com a previdência privada, planos de saúde etc., ou seja, com os agentes privados que mais ganham com a mercantilização dos serviços públicos, mas que também investem no mercado financeiro, que quando entra em colapso é salvo pelo Estado.
- Quais são as conseqüências dessa crise para a economia brasileira e a partir de quando poderemos senti-las?
- Em primeiro lugar, uma grande parte das aplicações na Bolsa de Valores de São Paulo [Bovespa] não é feita por brasileiros, mas, principalmente, pelos fundos de pensão dos Estados Unidos. Se essas ações tiverem uma queda brusca, como aconteceu entre 2000 e 2002 – naquela época, os fundos de pensão dos Estados Unidos perderam mais de 500 bilhões de dólares. No Brasil, foram perdidos mais de 100 bilhões de reais – a primeira coisa que acontecera é que quem depende dessas aplicações para garantir sua aposentadoria estará correndo sério risco de não ter seu futuro garantido. Outra conseqüência é a que já venho ressaltando, que é o governo diminuir os investimentos sociais para salvar os grandes investidores, inclusive esses fundos de pensão, o que significa mais precarização dos serviços públicos de saúde, educação etc. Os servidores públicos, que já estão ameaçados de ficar sem reajuste até 2016, por causa do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, terão que enfrentar essa precarização que afetará diretamente sua atividade. Para o restante da classe trabalhadora, que tem no serviço público sua única forma de ser atendida na saúde, na educação e em outros serviços, e que já é explorada, haverá ainda mais sucateamento dos setores da saúde, educação etc. Ou seja, a classe trabalhadora perderá duas vezes, porque vai aumentar o grau de exploração sobre ela, e porque o Estado, para tentar salvar os agentes privados que especularam, vai retirar dinheiro do social para o privado. Por isso, temos de combater a proposta do governo Lula da Silva de regulamentar a previdência complementar e a instituição dos fundos de pensão para os novos professores e demais servidores públicos. Isso significaria a redução da contribuição para a previdência pública e ao mesmo tempo torna-os potenciais vítimas das especulações do mercado de ações.
Fonte: ANDES-SN - Informandes Online 25
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