ENTREVISTA
DÍVIDA PÚBLICA: PORQUÊ DECLARAR MORATÓRIA
http://www.andes.org.br/Informandes19.12.06-pg2.htm
A dívida pública brasileira vem crescendo a cada ano e sufocando a possibilidade de investimentos nas áreas mais essenciais do país. Ano a ano assistimos aos sucessivos governos cortarem o que consideram gastos públicos, em detrimento do compromisso firmado com os credores das dívidas interna e externa. A situação é grave: 59,5% dos recursos previstos no orçamento 2007 são destinados ao refinanciamento, amortização e pagamento dos juros da dívida pública. São bilhões que deixarão de ser aplicados na melhoria da educação, saúde, habitação, saneamento, reforma agrária etc.
O sacrifício do pagamento dos juros, no entanto, tem sido em vão. Quanto mais pagamos a dívida, mais devemos. Em julho de 1994 devíamos R$ 62 bilhões. Atualmente, devemos R$ 1 trilhão.
O economista José Menezes Gomes, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e 3º tesoureiro do ANDES-SN, fala sobre a origem da dívida pública, analisa os impactos da dívida para países pobres e ricos e alerta para a necessidade da suspensão do pagamento dos juros como uma mudança estrutural da política econômica.
- Qual foi a principal causa do crescimento monstruoso da dívida pública brasileira?
"Elevar as taxas de juros tornou nossos títulos públicos mais atraentes. Só que isso acionou o motor do endividamento. Devíamos R$ 62 bilhões em 1994. Hoje, devemos R$ 1 trilhão."
- Bom, o primeiro motivo foi a transformação da dívida externa privada em dívida interna do Estado, em 1980. Depois, veio o Plano Real com sua lógica de fortalecer a moeda sem mudar a estrutura da economia. O Brasil tinha uma moeda fraca, uma inflação alta e, de repente, sem muitas mudanças na estrutura da economia, transformou-a em moeda forte e passamos a ter inflação baixa. Foi uma verdadeira mágica que fez com que o Real chegasse a valer mais que o dólar. Essa “mágica” teve um preço, pois sua política central consistia em elevar a taxa de juros para atrair moeda estrangeira para formação de reservas cambiais. Com essas reservas cambiais o país manteve a paridade do Real, em compensação, a elevação dos juros resultou na elevação da dívida pública. E quando elevo a dívida pública tenho que aumentar ainda mais a taxa de juros, pois quando esse modelo desgastou houve risco de fuga de capital para outros países. Elevar as taxas de juros tornou nossos títulos públicos mais atraentes. Só que isso acionou o motor do endividamento. Devíamos R$ 62 bilhões em 1994. Hoje, devemos R$ 1 trilhão. O aumento da dívida aconteceu porque a política monetária brasileira e da maioria dos países da América Latina é a política monetária do rentista. A questão central é: nossa política monetária acaba transformando as funções fundamentais do Estado, que passa a não investir em infra-estrutura, saúde, educação – tudo aquilo que justifica a existência de um estado nacional. Na verdade, o Estado que temos hoje é voltado para atender aos interesses de uma política monetária que atende a três grupos essenciais da economia: banqueiros, grandes capitalistas que também compram títulos públicos e os fundos de pensão. É uma política de juros que serve apenas para transformar em algo altamente rentável os títulos públicos.
- Qual a origem dessa dívida?
"A trajetória do desenvolvimento capitalista recente mostra que quanto mais o Estado agiu no sentido de contornar as crises do capital, mais ampliou suas contradições e ficou vulnerável aos agentes privados"
- Se analisarmos a história do capitalismo veremos que a dívida pública foi um elemento fundamental no processo de acumulação primitiva. O estado tomava emprestado recursos do chamado capital usurário para criar infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do capitalismo – fomentar empresas, criar condições de funcionamento dos mercados, conquistar mercados mais próximos etc. Ou seja, o estado se endividou muito já na origem do capitalismo. Mas ao contrário do que afirmam alguns, quanto mais o capitalismo se desenvolveu, mais necessária tornou-se a intervenção do Estado no sentido de assegurar as condições ideais da produção do capital. O Estado passou a criar cada vez mais políticas para conquistar mercados externos e passou a ser um grande consumidor através dos gastos militares etc. Quanto mais os capitalistas se desenvolveram e chegaram à fase monopolista, mais precisaram de dinheiro para desenvolver políticas de interesse do capital. E a dívida pública foi contraída não para resolver os problemas sociais, mas os problemas do capital. A década de setenta foi de grande crescimento econômico para o Brasil. Naquela fase o governo criou uma forma de endividamento através de incentivos fiscais, subsídios, créditos etc., liderou, facilitou, o desenvolvimento do capitalismo, o que não foi suficiente para resolver o problema fiscal do Estado. A trajetória do desenvolvimento capitalista recente mostra que quando mais o Estado agiu no sentido de contornar as crises do capital, mas ampliou suas contradições e ficou vulnerável aos agentes privados, ou seja, o Estado usa dinheiro público para ajudar o setor privado, depois, sua dívida pública se eleva e para rolar essa dívida eleva a taxa de juros para que o próprio setor privado compre os títulos públicos e continue rolando suas dívidas. Então, na verdade, a dívida pública é, principalmente, resultado da política de favorecimento ao setor privado.
- Dever não é uma exclusividade dos países pobres. Países ricos como os Estados Unidos têm dívidas bem maiores do que o Brasil. Por que, para nós, a dívida é tão mais nociva?
"O grande segredo não é o tamanho da dívida, mas a condição que eu tenho pra rolar essa dívida"
- O grande segredo não é o tamanho da dívida, mas a condição que eu tenho pra rolar essa dívida. Os Estados Unidos, que devem sete trilhões de dólares - quase 70% de seu PIB, têm a facilidade de se endividar na sua própria moeda, nós, não. Durante muito tempo nos endividamos com o chamado Overnight, de curtíssimo prazo e juros elevadíssimos. Depois, nos endividamos em variação cambial, em títulos indexados por taxas como Selic, a índices de preços, ou seja, vamos rolando a dívida pública e pagamos hoje a taxa básica de 13,25%. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 4,50%. No Japão, 0,25%. Na União Européia, 3%; na Inglaterra, 4,75%. O problema não é só dever – o que já é bastante grave – mas dever rolando a dívida numa taxa de juros tão alta – a taxa de juros real mais alta do mundo! Hoje, com a inflação de 4%, a taxa real de juros chega a quase 10%. Esse rendimento real é mais elevado que vários investimentos do setor privado. Os Estados Unidos estão extremamente endividados, mas mesmo oferecendo uma taxa de juros muito baixa, muitos procuram seus títulos porque eles oferecem garantias, pois têm hegemonia política, econômica, e em todos os sentidos.
- O que é pior: a dívida interna ou a externa?
- Bom, a dívida externa normalmente deveria ser dívida privada, pois é a relação da nossa economia com outros países, e a dívida pública é uma dívida contraída pelo estado junto a investidores nacionais ou internacionais. Daí, dívida pública também pode ser dívida externa. Nos últimos anos o Brasil acabou se endividando em aproximadamente 40 bilhões de dólares. Foram emitidos títulos no mercado internacional e dessa forma você tem uma dívida pública que já é naturalmente dívida contraída no interior. O fundamental é que nesse momento a taxa de juros externa é muito mais baixa que a taxa de juros interna. O governo brasileiro, quando liquidou parte da dívida externa com taxa de juros a 4% ou 5% ao ano e contraiu dívida pública a 14%, transformou isso num grande fato de política governamental. Ou seja, a liquidação da dívida externa acabou sendo um acelerador da dívida interna.
- O que fazer para sair dessa situação?
"É primordial que se faça uma campanha esclarecendo para a população qual é a natureza, a magnitude e as implicações da dívida pública "
- É primordial que se faça uma campanha esclarecendo para a população qual é a natureza, a magnitude e as implicações da dívida. Normalmente, a grande imprensa não aborda os pontos essenciais da dívida. A outra coisa: é necessário que se construa uma solidariedade entre os trabalhadores não só do Brasil, mas em toda a América Latina, a exemplo do que aconteceu nos anos 80 - uma espécie de aliança dos países devedores para a elaboração de uma estratégia de ação conjunta para declaração de moratória. Não há mais como pagar a dívida pública. Se pegarmos os dados da Secretaria do Tesouro Nacional vamos ver que a dívida pública já foi paga várias vezes. Agora, não se pode fazer isso de forma isolada, é necessário que se construa um grande movimento para que os países possam propor não pagar a dívida pública e pagar a dívida social. Todo esse dinheiro que está sendo pago no Brasil, R$ 179 bilhões em 2006, deveria ser revertido para investimentos em saúde, educação, segurança, reforma agrária, habitação... ou seja, deveria ser utilizado para o estado brasileiro pagar a dívida social que contraiu, pois durante toda sua trajetória esse estado sempre agiu para atender às demandas privadas. Depois, deveríamos realizar uma conferência latino-americana para discutir quais são os impasses colocados pela dívida pública e quais são as bandeiras de luta que a classe trabalhadora deve ter como eixo para que cada governo pegue esse dinheiro da dívida pública e invista na resolução dos problemas sociais.
- Quais seriam as conseqüências da moratória para os brasileiros?
"Quem perderia com a suspensão do pagamento da dívida pública seriam os banqueiros e os fundos de pensão, que ganham fortunas"
- Se o ato de declarar a moratória for um ato de declarar a luta pelos interesses da maioria da população, dos 56 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, e dos demais que também enfrentam dificuldades para viver, terá grande aceitação popular. Oitenta porcento dos brasileiros sequer têm conta bancária, ou seja, não ganham com os títulos públicos. Milhões de pessoas não têm a menor idéia de quais são as vantagens de pagar a dívida pública. Quem perderia com a suspensão do pagamento da dívida pública seriam os banqueiros e os fundos de pensão, que ganham fortunas. Os bancos tiveram lucros de mil por cento, e parte deles vêm dos títulos públicos, das tarifas altas etc. Mas os banqueiros e fundos de pensão não representam nem 1% da população brasileira. Os verdadeiros beneficiários da moratória seriam os 56 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza e outros que nunca tiveram suas demandas atendidas. A moratória indica uma mudança de eixo na política econômica. Imagina o Brasil ter dinheiro para investir mais nas universidades, na saúde e na Reforma agrária, ou seja, pagar sua imensa dívida social!
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