domingo, 22 de novembro de 2009

Acordo da Basiléia-outro caminho para privatização

Acordo da Basiléia-outro caminho para privatização por José Menezes Gomes
Local: Rio Branco - AC
Fonte: O Rio Branco - (19/09/2001)
Link: http://www.oriobranco.com.br/
José Menezes Gomes (Professor da UFMA e Doutorando USP) A criação do fórum de estabilidade financeira fez surgir um novo acordo de regras de capitalização da Basiléia. Pretende-se em tese, aumentar a garantia de depósitos dos bancos ao diminuírem a alavancagem (montante de cobertura dos empréstimos feitos, em relação ao volume de depósitos e patrimônio). O que poderia ser um pequeno passo no sentido contrário da desregulamentação financeira impulsionada no inicio dos anos 80, tem, com efeito, direto a aceleração na privatização da essência dos bancos estatais, já que não diferencia a característica dos bancos privados em relação aos estatais. O chamado PROER 2, com a liberação de R$ 12 bilhões do tesouro, inicialmente para o BB, CEF, BNB, faz parte destas exigências. Por trás disso está também a futura anistia de dívidas de grandes empresários, não podendo descartar iniciativa de privatização explicitas ou disfarçadas dessas instituições, pois o saneamento de estatais sempre foi o primeiro passo para sua privatização. Os bancos estatais serão prejudicados com esses novos parâmetros, já que realizam investimentos sociais (habitação, agricultura, infraestrutura, etc) e por esse motivo não operam na mesma lógica de rentabilidade e prazos de amortizações dos bancos privados. Quando a Caixa Econômica Federal financia a compra de um apartamento em 20 anos para pagar, assume investimentos de longo prazo, coisa que o setor privado não pratica. Nesse longo prazo muitas coisas podem ocorrer (mudanças na política monetária, desemprego, redução salarial). A medida que são forçados a adotar os novos procedimentos, estarão se distanciando daquela finalidade e risco. No Brasil, as exigências ficaram ainda mais rígidas que a do acordo, e a alavancagem máxima de 12,5 foi reduzida para apenas nove vezes o seu capital, com uma exigência de patrimônio líquido ajustado (PLA) em torno de 11% do total dos ativos. O banco do Brasil para se adequar àquelas exigências transferiria para o tesouro cerca de R$ 20 bilhões, sendo deste total R$ 5,2 bilhões em créditos rurais, de empréstimos acima de R$ 200 mil e R$7,2 bilhões referentes a títulos da dívida externa renegociada em 1994, que seriam transformados em dívida pública (FSP 27.06.01). O Banco do Brasil e Caixa irão se enquadrar nas regras da Basiléia para serem mais competitivos junto aos bancos privados, significando um redirecionamento mais ativo para a intermediação da dívida pública. Os dispêndios com o saneamento dos bancos estatais já consumiram R$ 60 bilhões, sendo R$ 52 bilhões com os estaduais e R$ 6 bilhões para cobrir parte da anistia da dívida dos ruralistas em 1996 pelo BB. A privatização dos bancos estaduais serviu, até agora, apenas para queimar arquivos da corrupção praticada por políticos e empresários próximos do poder, constituindo-se em apenas mais uma etapa de anistia de dívidas, já que nada foi feito para investigar quem foram os beneficiados. Parte dos problemas da CEF vem do fato desta ter assumido as chamadas partes podres dos bancos privados, durante o PROER, quando as carteiras de dívidas do sistema financeiro da habitação foram a ela repassadas. A criação da empresa gestora de ativos, pela CEF para administrar, R$ 27 bilhões de empréstimos habitacionais e saneamento, faz parte do ajuste patrimonial e pressupõe um plano de demissão voluntária e a contratação de trabalhadores flexibilizados. O processo de privatização mais claro pode ocorrer se o tesouro nacional não mais adquirir ações do BB, já que hoje 90% destas pertencem ao tesouro, ao BNDES e a PREVI. Isto abriria o caminho para a privatização disfarçada, pois irão recorrer às bolsas para negociarem seus papéis. Por sua vez, isso implicará na exigência deste banco se preparar para atender aos critérios de rentabilidade privada. Os rombos dos bancos estatais não podem ser atribuídos somente aos desvios vindos da corrupção, inerentes a gestão privada de seus empréstimos para atender aos grupos políticos de sustentação dos vários governos que tivemos. A gestão da política econômica e as demandas de financiamento das contas públicas e do setor externo, nos vários momentos de incertezas nacional e internacional, quando os agentes privados se negaram a financiar, são outras fontes de desajustes destas instituições. Já em 1976, quando o crédito externo encurtou e as taxas de juros externas subiram, foram esses bancos e as empresas estatais que se responsabilizaram pela captação de empréstimos externos para evitarem maiores constrangimentos externos. Nesse caso, o ônus foi muito grande e a seguir repassados para o tesouro. Em outros momentos, esses bancos foram usados para comprar títulos da dívida externa, como em 1995 durante a introdução do Real. Outra forma vem das conseqüências dos efeitos da própria política monetária, especialmente durante o plano real, quando os juros se elevaram para manter a estabilidade da moeda. Essa elevação das taxas possibilitou que Estados, municípios e União tivessem suas dívidas também elevadas. A caixa econômica, por ser a principal responsável pela gestão da política habitacional, também foi contaminada, a medida que os juros elevados exigiam uma maior remuneração para a poupança para atrair recursos. Isto por sua vez encarecia os recursos para investimentos no setor. O resultado desse processo é que o saldo devedor dos mutuários se elevou, implicando numa maior inadimplência e maior passivo a ser assumido pelo tesouro, que é o principal acionista. Segundo estudo sobre a evolução do crédito no Brasil de 1994 a 1999, de Ricardo Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, o maior problema do novo acordo, vem do fato que os ativos recebem ponderações, nas quais as aplicações em títulos públicos são consideradas isentas de riscos, enquanto créditos e financiamentos chegam a ter ponderação de 100%, levando as instituições financeiras a ampliarem suas aplicações nesses títulos públicos em detrimento dos empréstimos ao setor privado, resultando na redução do crédito para pessoa jurídica (Estadão 24 07 01). Essas novas exigências do acordo, privilegiando os títulos públicos, abrem caminho para que os bancos estatais, que restaram, caminhem no mesmo rumo que o banco de la Nacion argentino, que passou a ser um dos principais compradores dos títulos públicos, num momento em que os banqueiros privados não aceitam comprar.

Assim, repetem o papel já desempenhado pelos bancos estatais. No acelerar da crise temos um novo paradoxo, quando o Estado se endivida com outro braço do Estado (bancos estatais), fato que no início do plano Real diziam combater. Por isso temos que reestatizar os bancos privatizados, mas ao mesmo tempo construir uma correlação de forças que represente os interesses dos trabalhadores, porque banco estatal não pode ser gerido pela burguesia. Antes disso, temos que quebrar o sigilo bancário, telefônico e fiscal de todos aqueles que participaram das várias gestões, juntamente com os beneficiários dos empréstimos.

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