sábado, 21 de novembro de 2009

PAC está sustentado em idéias neoliberais

José Menezes Gomes: PAC está sustentado em idéias neoliberais
por jpereira última modificação 08/02/2007 17:05

Em entrevista, o economista José Menezes Gomes avalia que programa anunciado pelo governo Lula não trará crescimento econômico, ameaça direitos trabalhistas e pode acarretar danos gravíssimos ao meio ambiente

05/02/2007


O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado ontem pelo governo, é um produto de marketing que visa ao convencimento da população de que as reformas neoliberais são essenciais para o crescimento econômico do país. A opinião é do economista José Menezes Gomes, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e 3º tesoureiro do ANDES-SN. Em entrevista ao Informandes Online, Menezes afirma que o PAC busca uma continuação do projeto Avança Brasil, lançado por FHC em 1999. Para ele, o momento é de construção de uma grande mobilização dos trabalhadores dos setores público e privado. "Precisamos combater essas reformas que tirarão direitos para impulsionar a acumulação de capital", adverte.



O PAC realmente possibilitará o crescimento da economia brasileira?
José Menezes Gomes – Acredito que não, pois o essencial não foi alterado. Os juros continuam altos e cada vez mais há deslocamento de parte da riqueza para os rentistas, pois haverá aumento do pagamento dos juros da dívida pública este ano: 59,5% dos recursos do orçamento federal são destinados ao refinanciamento, amortização ou pagamento de juros da dívida pública. Em quatro anos o governo pretende investir R$ 67,8 bilhões, dividindo esse montante por quatro anos teremos algo em torno de R$ 16,95 bilhões – um volume próximo do atual. Outra coisa: o restante dos investimentos provém das parcerias público-privadas, ou seja, do setor privado, que investirá principalmente no setor de infra-estrutura, com ênfase na geração de energia, o que poderá acarretar danos ambientais gravíssimos.



É aí que entra a estratégia de regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal?
Gomes - Sim. O governo pretende regulamentar o artigo 23 da Constituição de forma a facilitar o licenciamento ambiental de empreendimentos no setor de energia.

" A previsão é de que o governo deixe de arrecadar em torno de R$ 6,6 bilhões,
e para 2008 em torno de R$ 11,5 bilhões, com a redução
ou isenção de impostos. Esse valor poderia ser investimento
na saúde e na educação, por exemplo,
o que traria um resultado muito
melhor para a classe trabalhadora
"

Qual a relação entre isenção de impostos e mais investimentos?
Gomes - Para este ano, a previsão é de que o governo deixe de arrecadar em torno de R$ 6,6 bilhões, e para 2008 em torno de R$ 11,5 bilhões, com a redução ou isenção de impostos. O governo acha que deixando de arrecadar impostos do setor privado vai possibilitar investimentos, mas essa idéia não é se confirma. Houve desoneração da bolsa de valores de São Paulo, mesmo assim a alta valorização dos papéis nos últimos três anos não provocou o crescimento da economia, pois acabou ajudando à especulação. Os R$ 6,6 bilhões que deixarão de ser arrecadados este ano é quase o mesmo valor que se gasta com as universidades federais: R$ 7,8 bilhões. Esse valor poderia ser investimento na saúde e na educação, por exemplo, o que traria um resultado muito melhor para a classe trabalhadora.

A expressão "gargalos" é uma tentativa de construção ideológica para facilitar as reformas?
Gomes - Quando o governo afirma que os principais obstáculos ao crescimento são os "gargalos administrativos, burocráticos e legislativos", retira das determinações de ordem econômica a explicação fundamental do crescimento: taxas de lucro, juros e de câmbio. Deixa claro que a aprovação das reformas trabalhista, sindical, universitária e da previdência é decisiva para a retomada do desenvolvimento. É uma repetição dos argumentos dos governos neoliberais dos anos 90, que foram inadequados, pois onde as reformas mais avançaram o crescimento foi pífio. Esse é o caso da Argentina, que só foi capaz de crescer depois que declarou moratória da dívida pública.

"O que o governo Lula quer é justamente atrair capital inativo
dos países desenvolvidos para transformá-lo em "capital produtivo"
por sua conta e risco, através das parcerias público-privadas.
Isso nada mais é do que a reintrodução
do capitalismo sem risco para os investidores."

O que torna o investimento em infra-estrutura atrativo para o setor privado?
Gomes - As parcerias público-privadas são uma tentativa de gerar crescimento econômico sem investimentos públicos, e aí o governo delega essa tarefa ao setor privado. Isso nos remete ao governo imperial. Naquela época, ninguém queria montar ferrovias no Brasil, porque não havia mercado consumidor para o sistema de transporte ferroviário. Então o governo garantiu aos banqueiros ingleses, que tinham um volume de capital excedente muito grande, que se eles montassem nossas ferrovias, mesmo sem demanda privada, teriam assegurada uma rentabilidade de 7%. O que o governo Lula quer é justamente atrair capital inativo dos países desenvolvidos para transformá-lo em "capital produtivo" por sua conta e risco, através das parcerias público-privadas. Isso nada mais é do que a reintrodução do capitalismo sem risco para os investidores. O ProUni é um exemplo bem apropriado: o setor privado da educação se expandiu de forma desordenada e quando não tinha mais consumidores, mas sim uma inadimplência muito alta, o governo criou um sistema que abatia impostos, como agora. Deixando de arrecadar, incentivou o setor privado, transformando estudantes pobres em consumidores de um serviço que poderia ser público se os recursos oriundos dos impostos fossem investidos nas universidades públicas. O PAC é uma "ProUnização" de outras áreas que passarão a ser mais atrativas para o setor privado. E essa atratividade vem justamente da flexibilização das leis trabalhistas (retirada de direitos), da desregulamentação sindical e outras que virão com as reformas neoliberais que possibilitarão o aumento do grau de exploração e a transformação de áreas do setor público em áreas de valorização do capital.

Há similaridades entre as medidas anunciadas com o PAC e medidas adotadas pelo governo FHC...
Gomes - O PAC é uma continuidade do projeto Avança Brasil, lançado por FHC em 1999, após a mudança da política cambial e a desvalorização do Real. As obras anunciadas em seis rodovias eram previstas no Avança Brasil, das quais destaco três: duplicação do trecho Belo Horizonte-Governador Valadares da BR-381, da BR-153 na divisa Mato Grosso-Goiás e no trecho Palhoça/SC-Osório/RS da BR-101.

"Dentro do capitalismo não há possibilidade de crescimento econômico
estável. A maior fase de crescimento econômico brasileiro
foi nos anos 70. Essa época foi justamente
a de maior aprofundamento da dívida pública"

Quais as possibilidades reais de crescimento econômico?
Gomes - A instabilidade econômica é própria do capitalismo. Crescimento econômico não tem sido prática nos Estados Unidos, União Européia e Japão, que representam a maioria do PIB mundial. Ao contrário de crescimento econômico, o que houve em 2006 foi uma expansão do capital financeiro mundial (ações, títulos públicos e depósitos bancários) que atingiu 140 trilhões de dólares, mais que o triplo do PIB mundial. Para o governo, esse excesso de liquidez seria uma das fontes de atração de capital privado. Dessa forma, as possibilidades desses investimentos estariam atreladas aos rumores do mercado mundial, sensível a uma aceleração da taxa de juros dos Estados Unidos, especialmente. Somente China, Índia e alguns países produtores de commodities tiveram taxa de crescimento acima de 5%. Então, dentro do capitalismo não há possibilidade de crescimento econômico estável. A maior fase de crescimento econômico brasileiro foi nos anos 70. Essa época foi justamente a de maior aprofundamento da dívida pública. O Estado não só liberou crédito, foi comprador, reprodutor e, principalmente, foi banqueiro, criou todas as condições para impulsionar os agentes privados. Agora, está com a dívida cada vez maior e quer dar um caráter mercantil às suas próprias funções, transformando o serviço público num espaço de valorização novo do capital privado, por conta e risco do setor público

Mais uma vez, os trabalhadores terão que se mobilizar contra medidas que beneficiam somente os ricos?
Gomes - Sim. É o momento de construir uma grande mobilização dos trabalhadores dos setores público e privado. Precisamos combater essas reformas que tirarão direitos para impulsionar a acumulação de capital. A intenção do governo é assegurar o rendimento dos setores rentistas (banqueiros e fundos de pensão) através de mais uma reforma da previdência e das reformas sindical e trabalhista. A reforma universitária, por sua vez, visa à intensificação da mercantilização da educação para abrir mais espaço para a valorização do capital. Para a população que paga muito imposto e recebe quase nada em contrapartida, as parcerias público-privadas poderão representar mais pedágios e tarifas elevadas.

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Entrevista publicada originalmente no site do Andes

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