sábado, 21 de novembro de 2009

Guerra das cervejas

Guerra das cervejas
19/07/2000
http://www2.uol.com.br/tododia/ano2000/julho/dia19/cidades.htm
JOSÉ MENEZES GOMES

A onda de fusões capitalistas teve nos anos 90 um instante de expansão sem igual. A economia brasileira não ficou de fora. O mais recente episódio foi o da constituição da Ambev. Sobre este fato o editorial de um grande jornal burguês, na defesa de uma intervenção do governo que estabelecesse a concorrência, afirmou que “nunca tanto dinheiro foi gasto em jornais, revistas e televisões do Brasil para espalhar tanta desinformação. Os petardos da Kaiser, eventualmente ameaçada pelo novo gigante, e da Ambev, supostamente prejudicada por uma eventual restrição à fusão, espalharam chumbo grosso. Ideais nacionalistas exóticos, promessas impossíveis, ambições transnacionais duvidosas, ofensas, acusações e suspeitas de corrupção explodiram de todos os lados (...) Harpas e ética não fazem parte da lógica do mercado global: o lucro é sua mola, e esse é o papel básico do setor privado”.(“O Estado de S. Paulo” 11/03/)
Segundo este mesmo jornal, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, decidiu intermediar um acordo entre as cervejarias Kaiser e Ambev, por sugestão do PT. Ele foi procurado pelos petistas Paulo Delgado (MG) e Antônio Palocci (SP), preocupados com a repercussão da fusão no nível de emprego no setor. A opção pela fusão, segundo o também petista Aloysio Mercadante, deve-se à preocupação com a situação financeira da Antártica (em setembro de 99 a Antártica teve prejuízo líquido de R$ 226 milhões) e as perspectivas de conquista de mercado externo para o guaraná brasileiro, que a Ambev viabilizaria.
Tivemos, também, a promessa exótica, para compensar o impacto negativo no mercado e na imagem Ambev, de garantir financiamento por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que os funcionários de pequenas fábricas, que seriam desativadas, pudessem assumir seu controle na forma de cooperativas.
A concentração vinda desta fusão no mercado de cerveja já é regra no mundo: na Argentina, a Quilmes vende sozinha 76%; no México, a Fenza e a Modelo detêm juntas 100%; na África do Sul, a SAB domina 98%; no Chile, a CCV fica com 89%; e no EUA, a Budweiser e a Miller dominam 76% do maior mercado de cerveja do mundo.
Esta tão falada “guerra das cervejas”, na verdade encobriu a “guerra” contra os trabalhadores das empresas concorrentes nacionais e a futura guerra contra os trabalhadores das demais cervejarias latino-americanas. Primeiro, perdem porque a arma encontrada para vencer o concorrente é exatamente efetivar uma reestruturação da produção, de modo a reduzir os gastos com salários, o que leva tanto ao desemprego como a retirada de direitos e precarização do trabalho.
Segundo o presidente da Kaiser, “entre 1989 e 1998, a Brahma reduziu o número de empregados de 25 mil para 11 mil, o de distribuidores, de 957 para 358, o de fábricas, de 36 para 29, e, em compensação, aumentou seu lucro líquido de US$ 36 milhões para US$ 272 milhões” (Idem 10/02/).
Em segundo lugar, os trabalhadores perdem na condição de consumidores, porque estas fusões formam monopólios mais poderosos que passam a estabelecer novos patamares de preços. Trata-se de preços de monopólio ou “preços políticos” porque estabelecem independente do preço de produção (preço de custo mais a taxa média de lucro).
Os passos para isso já foram dados. Logo após a aprovação da fusão, os preços da Ambev foram reduzidos em 5% para exatamente quebrar os concorrentes e em seguida estabelecer o preço que atenda a margem de acumulação por eles planejados para atender aos acionistas.
Marcel Telles, presidente da Ambev, explica porque a nova companhia precisa concentrar recursos: “Precisamos de fluxo de caixa porque nossa estratégia envolve a compra de cervejarias na América Latina”, ou seja, gerará desemprego no Brasil e futuramente na América Latina.
Mas ao mesmo tempo, serviu para revelar mais equívocos no Partido dos Trabalhadores. A atuação do PT na defesa da fusão revelou a perda completa da perspectiva classista e internacionalista. Ao defender a fusão para preservar o caráter nacional e a manutenção do emprego, deixa de lado o interesse dos demais trabalhadores na condição de consumidores e abre caminho para o desemprego na América Latina.
As demais cervejarias da América Latina, considerando que seus mercados internos e suas escalas de produção são menores, teriam poucas chances já que a Ambev passaria a ser a terceira maior cervejaria do mundo. No caso da Argentina, com sua moeda atrelada ao dólar, que retira sua competitividade externa e interna, a situação é mais precária.
Assim, a defesa da expansão de um monopólio como “defesa do emprego” é o cúmulo do equivoco que um partido de “esquerda” pode cometer, mas revela os limites curtos de uma política de “esquerda” dentro dos limites do capitalismo: quando se acirram as contradições capitalistas, estes partidos acabam é defendendo monopólios privados. Teremos também a redução da receita para Estados e municípios, justamente quando estas estariam terminando a fase de isenção fiscal.
Devemos retomar a bandeira da luta pela expropriação da propriedade privada, que é resultado do roubo histórico de parte do trabalho pelo capital, somado ao fato que, principalmente no Brasil, estas empresas foram constituídas com dinheiro público, seja através do dinheiro estatal subsidiado, infra-estrutura estatal e vasta renúncia fiscal. Trabalhadores do mundo uni-vos nesta tarefa de reconquistar o que nos pertence.

José Menezes Gomes é professor de Economia da UFMA, doutorando em história econômica pela USP e co-autor do livro “A Crise Brasileira e o Governo FHC”, Editora Xamâ, 1997

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