domingo, 22 de novembro de 2009

Eleições 2002: Efeito Orloff ou saída operária camponesa?

JOSÉ MENEZES GOMES Anterior | Índice | Próxima

Eleições 2002: Efeito Orloff ou saída operária camponesa?
http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=59161&edicao=10003&anterior=1
O pacote anunciado por Domingo Cavallo, com a desvalorização disfarçada de 8% do peso e aprovação pelo congresso argentino da incorporação do Euro como referência para do Peso, além do dólar, marca o futuro fim da última âncora cambial dos países subdesenvolvidos. Isto ocorre após a renegociação de US$ 29,5 bilhões da dívida externa pública e uma recessão de mais de três anos.

No Brasil, impulsionado por outros motivos, o Dólar chegou a R$ 2,50, culminando não só com a elevação dos juros em 1,5% chegando a 18% ao ano, além de uma nova ida ao FMI, quando a anterior já estava se findando. Foram mais de US$ 10 bilhões destinados a evitar a crescente desvalorização, que no ano já tinha chegado a quase 30%. Isto, de certa forma, marca os limites do câmbio flutuante e retorna a vinculação entre a política monetária e o câmbio, que marcou a época da âncora. Lá temos a crise da âncora e aqui a crise do câmbio flutuante.

Se a queda da taxa de juros nos EUA e na Alemanha, no inicio dos anos 90 permitiu, entre os outros motivos, a introdução desses modelos pelas economias subdesenvolvidas, no momento atual temos uma nova etapa de queda acentuada nos juros básicos americanos, chegando a 3,75% ao ano, onde a vulnerabilidade externa, a crise energética e o chamado “risco país” (risco de não pagamento das dívidas), acabaram por contrapor o efeito da queda de juros nos EUA. Com a aceleração da crise capitalista e da crise financeira do Estados, especialmente os periféricos, os efeitos da queda dos juros foram diferentes. Se a economia brasileira tinha se recuperado relativamente no ano 2000, com taxa de crescimento de 4% e prometia o mesmo patamar para esse ano, o cenário que resultou está mais para recessão do que para retomada.

Na política interna surgiu nova determinante, não só pelos motivos acima, mas também por mais uma rodada de escândalos, onde tivemos a renúncia, para evitar a cassação de dois senadores e ameaça de investigação do Presidente do senado Jader Barbalho, no desvio de verba do Banpará. Estes fatos tendem a minimizar as possibilidades de eficácia eleitoral de FHC e do seu grupo na próxima eleição.

Na Argentina, temos a expansão do movimento de fechamento de estradas, greves gerais, vários escândalos, além da prisão domiciliar do ex-presidente Menem por envolvimento na venda ilegal de armas. Este é melancólico fim das alianças surgidas pelo continente, que deram sustentação política para a implementação das políticas do FMI e BIRD: denúncias, escândalos, assassinatos, etc). É também, início da crise política, tal como ocorreu no México, Argentina, Peru, Equador. O grande problema é saber o que vem a seguir.

Lá, já tivemos o início de um ciclo político, no continente, antes existente na Europa, com a eleição de Fernando de La Rua. Este ciclo é marcado, inicialmente pela eleição da direita, que privatiza e retira direitos dos trabalhadores, produzindo um desgaste político que em seguida permite a chegada da centro esquerda ao governo. Essa, por sua vez, dá continuidade e às vezes aprofunda as reformas, resultando em desgaste político junto aos trabalhadores, permitindo em seguida o retorno da direita clássica ao poder. Neste intervalo, a direita propriamente, terceiriza junto a centro esquerda a tarefa de manter suas políticas.

No Brasil, com o grande desgaste político do governo, a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva, está em primeiro lugar disparado nas pesquisas.

Se num primeiro momento, poderia representar uma boa perspectiva aos trabalhadores, a medida que começa o debate sobre o programa de governo a ser adotado as preocupações também se elevam, pois entre os pontos centrais do programa estão. A manutenção da CPMF e uma possível independência do Banco Central, numa tentativa de busca de credibilidade juntos aos grandes banqueiros e os organismos financeiros internacionais (FMI e BIRD).

O editorial do jornal Folha de São Paulo, com título Oposição à Argentina de 12 06 01, já indicava um alinhamento entre PPS e PT a um gesto de boa vontade da oposição de centro esquerda direcionado a um certo consenso de mercado, que reduziria a possibilidade do eleitor poder optar entre projetos diferentes, já que tanto direita como esquerda estariam dentro dos pressupostos ortodoxos.

Segundo o jornal “o risco não é o Brasil aproximar-se do Reino Unido, onde se tornou mínima diferença entre trabalhismo e conservadorismo. O risco é da vida partidária aqui sofrer de mal semelhante ao que padece a da Argentina, onde já não se vê força política capaz de liderar a saída da crise provocada por um modelo de superdependência de capitais estrangeiros. Lá a oposição ao menemismo subiu ao poder. Mas ao aderir à tirania do mercado, tornou-se idêntica às forças que conduziram à crise”. O que o jornal não tocou foi na raiz do problema: a dívida externa e interna.

O endividamento externo e interno retomou a patamares maiores que nos anos 80, mas na atualidade é o principal ingrediente desta “submissão” de governos que se propõem apenas administrar a crise capitalista, ao contrário de impulsionarem políticas de transição visando a superação do capitalismo, justamente no momento de agudização de sua crise. A renegociação das dívidas, não resolve, pois a Argentina acabou de renegociar quase US$ 30 bilhões e em nada resolveu seus problemas econômicos e sociais, apenas jogou para frente um problema que poderia estourar agora.

A independência do Banco Central proposta pelo PT, que significaria manter Armínio Fraga, pode ser a medida de “choque de credibilidade” aos banqueiros, mas terá significado parecido ao do governo de la Rua, que reconduziu Domingos Cavallo ao ministério da economia com superpoderes. Isto representaria um verdadeiro golpe de Estado, pois quem iria definir o eixo da política monetária seria justamente alguém que se quer foi eleito, ou seja, quem mandaria é quem não foi eleito pela população, mas escolhido pela comunidade financeira, como garantia dos compromissos com o pagamento das dívidas. Esse fenômeno é a síntese das contradições vindas políticas exigidas pelo banco mundial e o FMI para garantirem a “estabilização monetária”. O apagão é a revelação do parasitismo da iniciativa privada e das limitações dos investimentos estatais e o redirecionamento das receitas governamentais, para pagamento de juros das dívidas. É, portanto, a explicitação do equivoco do banco mundial, que afirmava que o Estado deveria se afastar da atividade produtiva e dar lugar a iniciativa privada.

Com o câmbio flutuante e a desvalorização do Real, tivemos uma fonte de prejuízo, quando da remessa de lucro às matrizes, uma elevação da dívida das empresas que deviam em dólar e o encarecimento de matérias primas, sem representar um aumento das exportações.

É necessário romper com esse ciclo vicioso de poder. Para tanto, é

necessário colocar como centro debate a elaboração de um programa, pelos trabalhadores, que tenha como eixo o não pagamento das dívidas externa e interna e o compromisso de pagamento da dívida social, pois o choque de credibilidade tem que ser para os trabalhadores e não para os banqueiros. Ao contrário de continuar a cobrar a CPMF para ter mais R$ 18 bilhões, bastava não pagar as dívidas que teriam muito mais dinheiro, pois o destino da CPMF é justamente para pagar os juros. Alegar que não podemos romper com o capital estrangeiro porque ele é importante para o desenvolvimento é falso.

O que temos nos últimos anos é exatamente uma inversão do fluxo de capitais, onde cada vez mais mandamos mais dinheiro para o exterior do que recebemos. Além do mais, o capital externo quando vem é para ser aplicado na aquisição de estatais ou para investir nos títulos da dívida pública.



* JOÃO MENEZES GOMES é professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e doutorando pela USP.

E-mail: menezesgomes@uol.com.br

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